sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Galileu confronta a Igreja


Galileu confronta a Igreja


DO REDATOR DE DESPERTAI! NA ITÁLIA

ESTAMOS em 22 de junho de 1633. Um homem idoso e debilitado se ajoelha diante do tribunal do Santo Ofício. O réu é um dos mais renomados cientistas da época e suas convicções científicas se baseiam em longos anos de estudo e pesquisa. Mas, para não ser executado, tem de renegar o que sabe ser a verdade.

Seu nome era Galileu Galilei. O caso Galileu — como ficou conhecido — levantou dúvidas e perguntas e acirrou controvérsias que mesmo hoje, uns 370 anos depois, estão longe de desaparecer. Deixou uma marca indelével na história da religião e da ciência. O que explica tanta polêmica em torno do caso? Por que o processo que condenou Galileu ainda hoje suscita tanto interesse? O que ocorreu foi realmente uma “ruptura entre ciência e religião”, como definiu certo escritor?

Galileu é considerado por muitos como o “pai da ciência moderna”. Era matemático, astrônomo e físico, e foi um dos primeiros a estudar os céus utilizando um telescópio. Concluiu que suas observações astronômicas sustentavam uma teoria que ainda era amplamente debatida em seus dias: de que a Terra gira em torno do Sol e que, portanto, não é o centro do Universo. Por essas e outras constatações, Galileu é também considerado o pioneiro do moderno método experimental.

Quais foram algumas de suas descobertas e invenções? Como astrônomo, descobriu, entre outras coisas, os satélites de Júpiter, o fato de a Via-Láctea ser um aglomerado de estrelas, as montanhas da Lua e as fases de Vênus. Como físico, estudou leis que governam o pêndulo e a queda dos corpos. Inventou instrumentos como o compasso geométrico (uma espécie de régua de cálculo). Com base em informações que recebeu da Holanda, construiu um telescópio que abriu o Universo diante dele.

Mas um confronto prolongado com a hierarquia eclesiástica transformou a carreira do ilustre cientista num verdadeiro drama — o caso Galileu. Como tudo começou, e por quê?

Conflito com a Igreja

Em fins do século 16, Galileu já defendia a teoria de Copérnico, que declara que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário. Essa teoria é também chamada de sistema heliocêntrico (que tem o Sol como centro). Em 1610, ao descobrir com o seu telescópio corpos celestes que nunca tinham sido observados, Galileu se convenceu de que havia encontrado a confirmação do sistema heliocêntrico.

De acordo com o Grande Dizionario Enciclopedico UTET, Galileu queria mais. Sua intenção era convencer “as mais altas figuras da época (príncipes e cardeais)” de que a teoria de Copérnico estava correta. Com a ajuda de amigos influentes, esperava vencer as objeções da Igreja e até mesmo conseguir o seu apoio.

Em 1611, Galileu viajou a Roma, onde se encontrou com clérigos da alta hierarquia e, utilizando o telescópio, mostrou-lhes as suas descobertas astronômicas. Mas as coisas não saíram como ele esperava. Em 1616, Galileu ficou sob o escrutínio da Igreja.

Para os teólogos da Inquisição, a tese heliocêntrica era uma idéia ‘estulta e absurda em filosofia, e formalmente herética, por ser expressamente contrária à Santa Escritura, no tocante ao seu sentido literal, à exposição tradicionalmente aceita e ao entendimento dos Pais da Igreja e dos doutores de teologia’.

Galileu se encontrou com o cardeal Roberto Belarmino, considerado o maior teólogo católico daquela época e denominado de “o martelo dos hereges”. Belarmino formalmente advertiu Galileu para que deixasse de promover a teoria do heliocentrismo.

Diante do tribunal de Inquisição

Galileu procurou ser mais cauteloso, mas não abandonou a tese de Copérnico. Dezessete anos depois, em 1633, compareceu ao tribunal do Santo Ofício. A essa altura o cardeal Belarmino já havia morrido, mas agora o principal adversário de Galileu era o Papa Urbano VIII, que anteriormente lhe havia sido favorável. Muitos escritores têm classificado esse julgamento como um dos mais infames e injustos da antiguidade, equiparando-o até mesmo com os julgamentos de Sócrates e de Jesus.

O motivo de sua condenação foi a publicação do livro Diálogos sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo, que defendia a teoria heliocêntrica. O autor recebeu ordens de se apresentar ao tribunal em 1632, mas Galileu protelou, pois estava doente e já tinha quase 70 anos. Viajou para Roma no ano seguinte, após ser intimado e ameaçado de prisão. Por ordem do papa, foi interrogado e até ameaçado de tortura.

Não se sabe ao certo se esse homem idoso e doente foi realmente torturado. Os autos de seu julgamento dizem que foi submetido a “rigoroso exame”. De acordo com Italo Mereu, historiador de direito italiano, essa frase era uma expressão técnica da época que significava tortura. Vários eruditos concordam com essa interpretação.

De qualquer forma, Galileu foi sentenciado numa sala austera diante dos inquisidores em 22 de junho de 1633. Foi declarado culpado de “ter sustentado e crido doutrina falsa e contrária às Sagradas e Divinas Escrituras, que o Sol . . . não se mova do oriente para o ocidente e que a Terra se mova e não seja o centro do mundo”.

Não querendo ser mártir, Galileu foi obrigado a se retratar. Após a leitura da sentença, o velho cientista, ajoelhado e com roupa de penitente, disse solenemente: “Abjuro, amaldiçôo e detesto os supraditos erros e heresias [teoria de Copérnico], e geralmente qualquer outro erro, heresia e seita contrária à Santa Igreja.”

Diz a tradição — para a qual não há sólida comprovação — que, após abjurar, Galileu bateu o pé e exclamou em protesto: “E no entanto se move!” Segundo comentaristas, a humilhação de renunciar às suas descobertas angustiou o cientista pelo resto dos seus dias. Ele foi sentenciado à cadeia, mas a pena foi comutada para prisão domiciliar até a sua morte. Ao perder a visão, ficou praticamente em reclusão.

Conflito entre religião e ciência?

Muitos têm concluído que o exemplo de Galileu prova que ciência e religião são totalmente incompatíveis. E de fato, no decorrer dos séculos, o processo que condenou Galileu fez com que muitas pessoas se alienassem da religião, certas de que a religião, por natureza, é uma ameaça para o progresso científico. Mas será que é realmente assim?

O Papa Urbano VIII e os teólogos da Inquisição condenaram a teoria de Copérnico, afirmando que contradiz a Bíblia. Segundo eles, a declaração de Josué — “Sol, detém-te” (Josué 10:12, Almeida) — devia ser entendida literalmente. Mas será que a Bíblia contradiz realmente a teoria de Copérnico? De forma alguma.

O que contradizia a ciência era a interpretação claramente incorreta das Escrituras. Era assim que Galileu encarava a questão. Ele escreveu a um discípulo: “As Escrituras são infalíveis, mas seus intérpretes e comentaristas cometem muitas falhas. E uma delas, muito grave e bastante freqüente, é que eles sempre se atêm a uma interpretação ao pé da letra do texto.” Todo estudioso da Bíblia concorda com isso.*

Galileu foi mais além. Afirmou que dois livros — a Bíblia e o livro da natureza — foram escritos pelo mesmo Autor e que portanto não podiam se contradizer. Acrescentou, porém, que não se poderia dizer “com certeza que todos os intérpretes falem sob inspiração divina”. Essa crítica implícita à interpretação oficial da Igreja foi provavelmente considerada uma provocação, o que resultou em o cientista ser condenado pela Inquisição. Afinal de contas, como um leigo ousava questionar as prerrogativas eclesiásticas?

O caso Galileu fez com que muitos eruditos questionassem a infalibilidade da Igreja e do papa. Segundo o teólogo católico Hans Küng, os “numerosos e indisputáveis” erros da “Santa Sé” — incluindo “a condenação de Galileu” — levantaram dúvidas sobre o dogma da infalibilidade papal.

Reabilitação de Galileu?

Em novembro de 1979, um ano após sua eleição, João Paulo II esperava fazer uma revisão do processo que condenou Galileu. Segundo admitiu o pontífice, o cientista “sofreu muito . . . às mãos de homens e organismos da Igreja”. Treze anos depois, em 1992, uma comissão nomeada pelo mesmo papa admitiu: “Certos teólogos, contemporâneos de Galileu, . . . não compreenderam o sentido profundo e não-literal das Escrituras quando elas descrevem a estrutura física do Universo criado.”

Mas o fato é que a teoria heliocêntrica não era criticada apenas por teólogos. O Papa Urbano VIII, que teve um papel de destaque no processo que condenou Galileu, foi rigoroso em insistir que o cientista não minasse o ensino tradicional da Igreja, de que a Terra era o centro do Universo. Esse ensino não era da Bíblia, mas do filósofo grego Aristóteles.

Depois que a comissão atual fez uma revisão extensiva do caso, o papa classificou a condenação de Galileu como “uma decisão precipitada e infeliz”. O cientista estava sendo reabilitado? “É um absurdo falar em reabilitação para Galileu”, diz certo escritor, “porque a História não condena Galileu, mas sim o tribunal eclesiástico”. O historiador Luigi Firpo disse: “Não cabe aos perseguidores reabilitar suas vítimas.”

A Bíblia é “uma lâmpada que brilha em lugar escuro”. (2 Pedro 1:19) Galileu a defendeu contra a interpretação errônea. Mas a Igreja, defendendo uma tradição de origem humana à custa das Escrituras, fez exatamente o contrário.

[Nota(s) de rodapé]

Qualquer leitor honesto admite prontamente que a declaração sobre o Sol ficar parado no céu não é uma análise científica, mas a descrição de um fenômeno do ponto de vista de um observador na Terra. Os astrônomos também falam com freqüência do nascer e do pôr do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas. Eles não querem dizer que esses corpos celestes literalmente girem em torno da Terra; apenas fazem alusão ao seu movimento aparente no céu.

[Quadro/Foto na página 14]
A Vida de Galileu
  Galileu nasceu em Pisa em 1564. Seu pai era de Florença. O jovem começou a estudar medicina na sua cidade, mas abandonou o curso por falta de interesse e dedicou-se à física e à matemática. Em 1585 voltou para casa sem obter um diploma. Contudo, conseguiu o reconhecimento dos maiores matemáticos dos seus dias, chegando a ser conferencista de matemática na Universidade de Pisa. Após a morte do pai, as dificuldades financeiras o obrigaram a mudar-se para Pádua, onde conseguiu uma posição mais lucrativa: a de professor de matemática da universidade.
  Nos 18 anos que morou em Pádua, viveu com uma jovem de Veneza, com quem teve três filhos. Em 1610 voltou a Florença, onde conseguiu uma situação financeira melhor, que lhe possibilitou
 dedicar mais tempo às pesquisas, apesar de perder a liberdade que tinha no território da República de Veneza. O grão-duque da Toscana o nomeou “primeiro filósofo e matemático”. Condenado pela Inquisição, Galileu morreu em prisão domiciliar em Florença, no ano de 1642.

[Crédito]
Do livro The Library of Original Sources, Volume VI, 1915
[Foto na página 12]
Telescópio de Galileu, que o ajudou a confirmar que a Terra não é o centro do Universo
[Crédito]
Scala/Art Resource, NY
[Fotos na página 12]
Sistema geocêntrico (que tem a Terra como centro)
Sistema heliocêntrico (que tem o Sol como centro)
[Crédito]
Fundo: © 1998 Visual Language
[Crédito da foto na página 11]
Gravura: do livro The Historian’s History of the World

Fonte: http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102003284

EPOPÉIA DE GILGAMESH E A ESCRITA DO GÊNESIS


“O passado das civilizações nada mais é que a história dos empréstimos que elas fizeram umas às outras ao longo dos séculos ...”


1. Da “corrida ao ouro bíblico” à nova historicidade das sagradas escrituras.

Em meados do século XIX, após a descoberta na antiga cidade de Nínive da biblioteca do imperador assírio Assurbanípal (668-627 a.C.), o mundo redescobriu as antigas grandes civilizações da Mesopotâmia em tábuas de argila contendo escritos em sinais mais tarde denominados cuneiformes. Civilizações estas de que até então, o pouco que se conhecia estava contido nos livros da Bíblia
, em informações “escassas e pouco reveladoras, uma vez que estavam diretamente relacionadas com a história do povo hebreu”.(CORREA, 200-, p. 2).

Tais descobertas deram início a uma espécie de “corrida ao ouro bíblico” que propunha evidenciar arqueológicamente as sagradas escrituras. Outras ruínas então, como as de Uruk, Ur e Nipur, começaram ser escavadas e revelaram mais inscrições sobre o passado do Oriente Próximo.




O trabalho de decifração destas tábuas foi realizado por vários pesquisadores, mas coube ao arqueólogo britânico George Smith, a primeira tradução contendo um trecho da Epopéia de Gilgamesh: o relato do dilúvio. Em 1872, Smith anuncia sua descoberta1 em um encontro da Sociedade de Arqueologia Bíblica causando um “forte impacto na Europa (...) por apresentar um texto pagão aparentemente antecipando a Arca de Noé”.(CORREA, 200-, p. 2).
  
Estas descobertas abalaram toda a comunidade científica e religiosa do século XIX, laicizando muitos dos objetivos iniciais, modificando métodos dos pesquisadores, e abrindo precedentes para o questionamento da veracidade dos textos bíblicos.
 

Nas últimas quatro décadas, diferentes estudos estão sendo realizados sobre os temas levantados no século XIX, tanto pela comunidade científica como em grande parte pela comunidade religiosa, fazendo com que sejam discutidos os elementos mitológicos presentes na confecção dos livros que compõe o Pentateuco2, que vão desde a formação do mundo à existência histórica dos seus patriarcas.

Há uma tentativa, nos dias atuais, por parte de arqueólogos e historiadores de remontar a bíblia separando o que é história do que são mitos e lendas.

"Apesar das paixões suscitadas por este tema, nós acreditamos que uma reavaliação dos achados das escavações mais antigas e as contínuas descobertas feitas pelas novas escavações deixaram claro que os estudiosos devem agora abordar os problemas das origens bíblicas e da antiga sociedade israelita de uma nova perspectiva, completamente diferente da anterior. (…) A história do antigo Israel e o nascimento de suas escrituras sagradas a partir de uma nova perspectiva, uma perspectiva arqueológica.” (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2001, pp. V-VI, p. 1).


2. Da teogonia à teofania.

Paralelamente às discussões bíblicas, as descobertas feitas pelas escavações remontam os três milênios que antecedem à Cristo, onde a região entre os rio Tigre e Eufrates viu a ascensão e queda de grandes civilizações como os sumérios, acádios, assírios e babilônicos.

Dos textos traduzidos, vários deles incompletos devido ao estado de conservação dos mesmos, pôde-se extrair muito da filosofia e da mitologia mesopotâmicas, onde podemos observar que “o Oriente antigo, antes da Bíblia, e mesmo abstraindo-se dela, não desconhecia a reflexão sobre o homem. (...) As questões fundamentais da existência, da felicidade e da infelicidade, da relação com as potências cósmicas e com o domínio misterioso dos deuses, do sentido da vida e das incertezas do destino, já tinham neles um lugar de grande importância”.(GRELOT, 1980, p. 13).

Neste universo de descobertas, os sumérios e os acadianos revelam-se fornecedores de costumes, rituais e modelos literários a todos os povos do Oriente Médio3. Suas lendas, se consideradas como o primeiro repositório das recordações históricas dos povos do oriente antigo, “se transformaram, se esquematizaram, se reagruparam, mudaram eventualmente de país, se ampliaram, às vezes, desmedidamente” (GRELOT, 1980, p. 13), onde cada cultura apropriou-se de um mito conforme a sua ótica4.
           
Não diferente desta regra, os israelitas inovaram ao excluir todo um panteão, centralizando sua fé num deus único, propondo uma desmitização do universo transformando as forças cósmicas ao que de fato são. A situação do homem diante de Deus modifica-se totalmente, “embora, na prática, a adaptação da mentalidade corrente dos israelitas a essa mudança radical se tenha processado lentamente e com dificuldade” (GRELOT, 1980, p. 15), mantendo grande parte do antigo modo de expressar religioso herdado dos sumérios e acádios.

Desta forma, Israel começa a escrever sua própria história, ora compilando fatos de seu próprio povo em grandiosas lendas, ora adaptando mitos antigos à sua realidade e aos seus propósitos. As histórias contidas na parte hebraica da bíblia, embora difíceis de serem datadas pelos anacronismos que ali apresentam5, foram compiladas e ordenadas “principalmente, no tempo do rei Josias (640-609 a.C.), para oferecer uma legitimação ideológica para ambições políticas e reformas religiosas específicas”.(FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2001, p. 14).


3. A Epopéia de Gilgamesh e sua influência sobre demais literaturas do mundo antigo.

Considerada a mais antiga obra literária da humanidade, a Epopéia de Gilgamesh na sua forma “tardia” (século VII a.C.) como é difundida no Ocidente (TIGAY6 citado por ZILBERMAN (1998, p. 58)), não foge à regra das obras de origens mesopotâmicas: um compilado de lendas e poemas, cuja origem e veracidade perdem-se na difusão oral, adaptação cultural e textos fragmentados.

As narrativas contidas na epopéia deviam ser muito populares em sua época, pois são encontradas em várias versões escritas por vários povos e línguas diferentes, sendo que as primeiras versões da mesma, datam do Período Babilônico Antigo (2000-1600 a.C.), podendo ter surgido muito antes7, pois o herói desta epopéia é o lendário rei sumério Gilgamesh, quinto rei da primeira dinastia pós-diluviana de Uruk, que teria vivido no período protodinástico II (2750-2600 a.C.)8.

Devido à sua antiguidade e originalidade, muito se especula sobre a influência desta sobre textos mais difundidos e conhecidos pela humanidade, como os poemas épicos gregos Ilíada e Odisséia de Homero, escritos entre VIII e VII a.C.. Mas a polêmica é maior quando se comparados às narrativas do Pentateuco, a parte mais antiga do Velho Testamento, datadas do Primeiro Milênio a.C.. No caso desta última, o que legitima-nos a observar as influências, além de semelhanças impressionantes, o próprio contexto histórico e geográfico. Contexto este em que a origem dos hebreus e das grandes civilizações semitas são mescladas com a própria história do povo sumério. Históricos períodos de cativeiro, onde a aculturação era, além de inevitável pelas circunstâncias de sobrevivência, uma forma de dominação ideológica:


“O povo dominado era absorvido pelos nativos ao serem levados, havia a destruição total da nacionalidade, do culto, das instituições, nada ficando que pudesse ser lembrado a fim de que jamais alguém se encorajasse a agir em favor de uma reconstrução. Todo o elemento que representasse qualquer valor moral ou intelectual era desterrado e em seu lugar era posto outro povo trazido de outras regiões.” (LOPES, 200-, p. 2).




            
As semelhanças narrativas encontradas entre Epopéia de Gilgamesh e o Livro do Gênesis iniciam-se logo nos primeiros versículos da bíblia, ou seja, na criação do homem. O povo de Uruk, descontente com a arrogância e luxúria do rei Gilgamesh, exige dos seus deuses a criação de um homem que fosse o reflexo do rei, e tão poderoso quanto ele para que pudesse enfrentá-lo e redimi-lo. O deus Anu, ouvindo o lamento da população, ordenou a Aruru, deusa da criação, que fizesse Enkidu:

“A deusa então concebeu em sua mente uma imagem cuja essência era a mesma de Anu, o deus do firmamento. Ela mergulhou as mãos na água e tomou um pedaço de barro; ela o deixou cair na selva, e assim foi criado o nobre Enkidu”.(SANDARS, 1992, p. 94).

“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”.(GENESIS, cap. 1, ver. 26).

“Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”.(GENESIS, cap. 2, ver. 7).


Enkidu foi criado inocente, longe da malícia da civilização, vivendo entre as criaturas selvagens e compartilhando a natureza com elas:


“Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água”.(SANDARS, 1992, p. 94).

“Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra, e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. E a todos os animais da terra e a todas as aves dos céus e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento”. (GENESIS, cap. 1, ver. 29-30).


O rei Gilgamesh, sabendo da existência de Enkidu, incube uma missão a uma das prostitutas sagradas do templo da deusa Ishtar (deusa do amor e da fertilidade): seduzir Enkidu e trazê-lo para dentro das muralhas de Uruk. Enkidu deixou-se seduzir pela rameira e perdeu sua inocência, além de seu poder selvagem, tornando-se conhecedor da malícia do homem. Arrependido, lamenta-se, mas a rameira consola-o enfatizando as vantagens desta nova vida que está por vir:


“Enkidu perdera sua força pois agora tinha o conhecimento dentro de si, e os pensamentos do homem ocupavam seu coração”.(SANDARS, 1992, p. 96).

“Olho para ti e vejo que agora és como um deus. Por que anseias por voltar a correr pelos campos como as feras do mato?” (SANDARS, 1992, p. 99).
                       
“Porque Deus sabe que no dia em que comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” (GENESIS, cap. 2, ver. 5).


Nesta comparação com a tentação no Éden, não identificamos diretamente os fatos, mas sim, as idéias. A prostituta sagrada, condenada também em outros livros da bíblia, pode ser compilada como o fruto proibido, a serpente e a própria Eva, com o poder de seduzir o homem e tirar sua inocência com falsas promessas.


Enkidu, já na cidade de Uruk, enfrenta o rei Gilgamesh em combate. Vencendo-o, é reconhecido pelo rei como irmão, pois este jamais havia enfrentado alguém com tamanha força. Formando-se então uma grande amizade que protagoniza grandes aventuras e tragédias ao longo da epopéia.

Gilgamesh e Enkidu partiram então para a floresta de cedros (provavelmente, o atual Líbano), onde enfrentaram o monstro Humbaba, a sentinela da floresta.
Este se irrita com Enkidu, por profanar a floresta sagrada dos cedros inferiorizando-o e humilhando-o com palavras semelhantes às palavras de Deus, ao condenar o homem por comer do fruto proibido. Novamente não vemos relação direta entre os fatos, mas uma linha comum de pensamento é verificada entre os textos onde, a profanação e a desobediência são punidas com a servidão:

“… tu, um mercenário, que depende do trabalho para obter teu pão!” (SANDARS, 1992, p. 119).

“… maldita é a terra por tua causa: em fadigas obterás dela o sustento durante os dias da tua vida”.(GENESIS, cap. 3, ver. 16).

“No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado”.(GENESIS, cap. 3, ver. 19).

Os heróis, com a ajuda de Shamash (deus sol, protetor de Gilgamesh), matam o monstro Humbaba cortando-lhe a cabeça. Fato que irritou o poderoso Enlil (deus da terra, do vento e do ar universal), que exigiu a vida de um dos heróis pelo insulto.

A deusa Ishtar, vendo a força e beleza do herói, apaixona-se por Gilgamesh que a despreza, provocando a cólera da deusa. Então, Ishtar enviou a terra, um monstro com a missão de destruir o herói: o Touro Celeste. Mas a dupla de heróis novamente é vitoriosa. Então, Enkidu zomba da deusa derrotada atirando-lhe pedaços do touro mutilado. Enlil enfurecido com a atitude do mortal decide enfim qual dos dois heróis deverá morrer. Enkidu então adoece e, sucumbindo à doença, impulsiona o rei Gilgamesh a sua missão final: a busca da imortalidade.

A primeira semelhança encontrada pelos tradutores das tábuas em escrita cuneiforme é a mais impressionante. Foi a mola propulsora de toda a discussão sobre a veracidade dos textos bíblicos, pois a descrição do dilúvio não só é a mais bem conservada tábua de toda a epopéia, mas a mais rica em detalhes e semelhanças com a descrição no Gênesis. Além de que, outras narrativas do dilúvio foram encontradas em forma de poemas isolados e com outros personagens, como as tábuas de Atra-Hasis, a Epopéia de Erra, e os textos do rei Ziusudra9.

Na epopéia, Gilgamesh parte em busca da imortalidade, e para isso, precisa obter este segredo dos deuses com o imortal Utnapishtim (Noé do Gênesis). Para encontrar o imortal, Gilgamesh enfrentou uma longa jornada, cheia de perigos e provações. Ao encontrar Utnapishtim, ouve que este não poderá lhe tornar imortal, mas poderá revelar ao herói como se tornara um e conta do dia em que os deuses, desgostosos com a sua criação (a humanidade), resolveram eliminá-la da terra:


“Naqueles dias a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundo bramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus. Enlil ouviu o alvoroço e disse aos deuses reunidos em conselho: ‘O alvoroço dos humanos é intolerável, e o sono já não é mais possível por causa da balbúrdia.’ Os deuses então concordaram em exterminar a raça humana”.(SANDARS, 1992, p. 149).
“Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra, e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”.(GENESIS, cap. 6, ver. 5).

“A terra estava corrompida à vista de Deus, e cheia de violência”.(GENESIS, cap. 6, ver 11). 

“Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis, e as aves do céu; porque me arrependo de os haver feito”.(GENESIS, cap. 6, ver 7). 


Ea (deus da água doce e da sabedoria, patrono das artes e protetor da humanidade), avisa Utnapishtim em um sonho das intenções de Enlil e orienta-o de como sobreviver à catástrofe que estaria por vir:

“... põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deverás construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóbada celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas. (...) Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eu tinha de ouro e de coisas vivas: minha família, meus parentes, os animais do campo – os domesticados e os selvagens – e todos os artesãos”.(SANDARS, 1992, p. 149-151).

“Faze uma arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos, e a calafetarás com betume por dentro e por fora. Deste modo a farás: de trezentos côvados será o comprimento, de cinqüenta a largura, e a altura de trinta. Farás ao seu redor uma abertura de um côvado de alto; a porta da arca colocarás lateralmente; farás pavimentos na arca: um em baixo, um segundo e um terceiro”. (GENESIS, cap. 6, ver 14-16). 

“… entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos. De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca, para os conservares contigo”.(GENESIS, cap. 6, ver. 18).


Enlil então envia uma tempestade de grandiosas proporções, fazendo com que toda a terra desaparecesse sobre as águas:


“Caiu a noite e o cavaleiro da tempestade mandou a chuva.(...) Por seis dias e seis noites os ventos sopraram; enxurradas, inundações e torrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilúvio explodiam em fúria como dois exércitos em guerra.” (SANDARS, 1992, p. 151-153).

“… nesse dia romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as portas do céu se abriram, e houve copiosa chuva sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites”.(GENESIS, cap. 7, ver. 11-12).


E toda a humanidade foi exterminada:


“… agora eles (humanos) flutuam no oceano como ovas de peixe”. (SANDARS, 1992, p. 152).
“Assim foram exterminados todos os serem que havia sobre a face da terra …” (GENESIS, cap. 7, ver. 23).
                   
    
  Com o passar dos dias, a tempestade ameniza-se e o dilúvio começa a serenar:


“Na alvorada do sétimo dia o temporal vindo do sul amainou; os mares se acalmaram, o dilúvio serenou”.(SANDARS, 1992, p. 153).
“Deus fez soprar um vento sobre a terra e baixaram as águas. Fecharam-se as fontes do abismo e também as comportas dos céus, e a copiosa chuva do céu se deteve”. (GENESIS, cap. 8, ver. 1-2).


Após a calmaria do grande oceano que se formara, Utnapishtim solta uma pomba para ver se há terra firme para que então possa desembarcar:


“Na alvorada do sétimo dia eu soltei uma pomba e deixei que se fosse. Ela voou para longe; mas, não encontrando lugar para pousar, retornou. Então soltei uma andorinha, que voou para longe; mas, não encontrando lugar para pousar, retornou. Então soltei um corvo. A ave viu que as águas haviam abaixado; ela comeu, voou de uma lado para outro, grasnou e não mais voltou para o barco”.(SANDARS, 1992, p. 153).

“Ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a janela que fizera na arca, e soltou um corvo, o qual, tendo saído, ia e voltava, até que se secaram as águas sobre a terra. Depois soltou uma pomba para ver se as águas teriam já minguado da superfície da terra; mas a pomba, não achando onde pousar o pé, tornou a ele para a arca; porque as águas cobriam ainda a terra. Noé, estendendo a mão, tomou-a e a recolheu consigo na arca. Esperou ainda outros sete dias, e de novo soltou a pomba for a da arca. A tarde ela voltou a ele; trazia no bico uma folha nova de oliveira; assim entendeu Noé que as águas tinham minguado de sobre a terra. Então esperou ainda mais sete dias, e soltou a pomba; ela, porém, já não tornou a ele”.(GENESIS, cap. 8, ver. 6-12).
           

Após a bonança, já em terra firme e grato ao deus Ea por ter lhe salvo a vida, Utnapishtim prepara um sacrifício aos deuses:

“Eu então abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos. Preparei um sacrifício e derramei vinho sobre o topo da montanha em oferenda aos deuses”.(SANDARS, 1992, p. 153).

“Então Noé removeu a cobertura da arca, e olhou, e eis que o solo estava enxuto”.(GENESIS, cap. 8, ver 13).

“Levantou Noé um altar ao Senhor, e, tomando de animais limpos e de aves limpas, ofereceu holocaustos sobre o altar”.(GENESIS, cap 9, ver 20).


            Enlil, furioso com Ea por ter permitido que um humano sobrevivesse e conhecendo o segredo dos deuses, viu-se sem alternativa que não a de transformar Utnapishtim em um imortal, para que sua maldição de que nenhum mortal sobrevivesse se completasse.

Gilgamesh desapontado por não ter tido sucesso em busca da imortalidade, prepara seu retorno para Uruk, mas é abordado pela esposa de Utnapishtim que, compadecida com o fracasso do herói, revela-lhe o segredo da imortalidade em que, nas profundezas do mar, havia uma planta maravilhosa, e quem a comesse, seria eternamente jovem. O herói então mergulha no mar profundo, ferindo-se, mas obtendo a tão desejado segredo.

Tomado de rara compaixão, Gilgamesh decide não comer sozinho o maravilhoso fruto, mas sim dividi-lo com os anciãos da cidade de Uruk. No retorno para casa, Gilgamesh é surpreendido por uma serpente marinha que lhe rouba a flor, perdendo para sempre o segredo da imortalidade:


“Se conseguires pegá-la (a planta sagrada), terás então em teu poder aquilo que restaura ao homem sua juventude perdida. (…) Vem ver esta maravilhosa planta. Suas virtudes podem devolver ao homem toda a sua força perdida. (...) mas nas profundezas do poço havia uma serpente, e a serpente sentiu o doce cheiro que emanava da flor. Ela saiu da água e a arrebatou”.(SANDARS, 1992, p. 160).


Apesar dos fins da ação de comer o fruto sejam diferentes (a morte e a imortalidade), podemos fazer uma analogia da função da serpente em roubar a imortalidade do homem: sendo tirando-lhe a oportunidade da vida eterna pela sua obtenção, como na Epopéia de Gilgamesh; sendo condenando-lhe a morte pela cessão do fruto ao homem, como no livro do Gênesis. Gilgamesh então ficou desolado e abatido, pois além de fracassar em sua missão, perdera para sempre o irmão Enkidu, restando-lhe apenas, melancolicamente esperar o dia de sua morte chegar.

No livro do Gênesis, não encontramos somente semelhanças com a Epopéia de Gilgamesh, mas com outros textos antigos, como o sumeriano Mito de Dilmum onde o deus Enki, o senhor das águas profundas e do abismo que suporta a terra; e Nintu, a virgem pura, deusa que presidia aos partos; habitavam sozinhos num mundo cheio de delícias sem que nada existisse além do par divino, caracterizando uma descrição muito semelhante do que seria e onde seria o jardim Éden:
           

“E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. (...) E saía um rio do Éden para regar o jardim, e dali se dividia, repartindo-se em quatro braços. (...) O nome do terceiro rio é Tigre; é o que corre pelo oriente da Assíria. E o quarto é o Eufrates”. (GENESIS, cap. 2, ver. 8-14).


5. Considerações finais.

É impossível afirmar a influência direta da Epopéia de Gilgamesh sobre a escrita do livro do Gênesis, pois tanto um como o outro poderiam ter sido influenciados por histórias ainda mais antigas e difundidas no Oriente, ao mesmo tempo em que é inegável que o mundo situado entre o Mediterrâneo e os Montes Zargos, onde havia intensa circulação de mercadores de diferentes etnias e religiões variadas, era pequeno demais para descartar qualquer influência cultural entre eles.

Os hebreus, possivelmente muito antes de seus períodos de cativeiro na Babilônia e Assíria, já tiveram contato com as lendas e mitos sumério-acadianos e que por várias razões, os utilizaram na formulação de suas próprias lendas, o que sugere que seu deus, Jeová, toma por empréstimo características de deuses como Anu, Enlil e Ea, seja criando a terra e o homem, seja julgando-os por seus atos, seja compadecendo-se de seu povo e os protegendo.

Acreditamos ser impossível obter conclusões definitivas sobre as influências de um texto sobre o outro, ou principalmente, da formação de um pensamento religioso sem a existência do pensamento antecessor, sem que se faça juízo de valores como é recomendado a um historiador, mas ao se estudar o contexto em que o Gênesis é idealizado e escrito, tomando aqui, palavras de Finkelstein e Silberman, observa-se que "a saga histórica contida na Bíblia (...) não foi uma revelação miraculosa, mas um brilhante produto da imaginação humana”.10


Notas

1SANDARS, N. K. A epopéia de Gilgamesh. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 11-12.

2Os 5 primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

3GRELOT, P. Homem quem és? São Paulo: Edições Paulinas, 1980, p. 14.

4CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 211-238.

5FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. The Bible Unearthed. Archaeology's New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts. New York: The Free Press, 2001, p. 38.

6TIGAY, Jeffrey. On the evolution of the Gilgamesh epic. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1982, p. 11.

7ZILBERMAN, Regina. Nos princípios da epopéia: Gilgamesh. In: BAKOS, Margaret Marchiori; POZZER, Katia Maria Paim. JORNADA DE ESTUDOS DO ORIENTE ANTIGO: LÍNGUAS ESCRITAS E IMAGINÁRIAS, 3., 1997, Porto Alegre. Anais ... trabalho 4. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 58.

8BOUZON, Emanuel. Ensaios babilônicos: sociedade, economia e cultura na Babilônia pré-cristã. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 126.

9CHARPIN, Dominique. El mundo de la biblia: Mesopotamia y la biblia. Valencia: EDICEP, 1984, p. 9.

10FINKELSTEIN; SILBERMAN. The Bible ... 2001. p. 13.

Fonte:
Eric Thomas FollmannNúcleo de Estudos Históricos e Arqueológicos UNIANDRADE

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Quem foi Jesus Cristo?

Quem foi Jesus Cristo?


Jesus Cristo.
Um dos personagens mais famosos da História.
Nome fundamental à sustentação do Cristianismo, religião monoteísta com mais adeptos no mundo (2.1 bilhões). Seu suposto ano de nascimento é usado para dividir o calendário ocidental. Ainda assim, sua existência histórica é bastante contestável, não há registros confiáveis sobre sua existência física e vida na Terra, e tudo que se sabe dele provém de relatos cheios de fantasias acreditados por pessoas de fé. Por que a história de um personagem que se supõe que tenha sido tão importante para a humanidade é tão fragmentada e inconsistente?

A existência histórica de Jesus Cristo, da maneira como narra a Bíblia, é um mito, e assim será até surgirem provas do contrário. Muitos historiadores religiosos hesitam em aceitar isto, e se sustentam em documentos antigos cheios de incoerências e referências fracas para dar força ao mito do Cristo bíblico. A história dele é contada originalmente em algumas centenas de escritos antigos chamados evangelhos, dentre os quais muitos foram destruídos e adulterados, e sequer contam uma história preocupada com uma registro fiel de fatos naturais – são bastante parciais. Sendo os evangelhos simples testemunhos de fé, contando histórias fantasiosas, incoerentes e contraditórias, não nos dão garantia de veracidade daquilo que descrevem.
Excetuados os evangelhos, os líderes cristãos sustentam a existência de Jesus Cristo através de supostas referências diretas de historiadores tanto da época em que se supõe que ele tenha existido, quanto de épocas imediatamente posteriores (fim do século I EC e século II EC). Mas a verdade é que os historiadores que viveram durante e depois dessa época jamais fizerem qualquer citação a respeito do Jesus Cristo e dos cristãos que denotasse a possibilidade de que a história evangélica fosse verídica.
Filon de Alexandria (15 AEC – 50 EC)
Filon de Alexandria foi um teólogo e filósofo judeu, falante do grego e conhecedor de Jerusalém, onde residia sua família. Escreveu sobre a história e a religião dos judeus e seus conceitos serviram de base aos escritos do Novo Testamento.
Embora muitos sustentem que ele escreveu sobre Cristo, na verdade ele não faz qualquer referência a tal personagem em seu testemunho. Filon escreveu um tratado, já destruído, sobre Serapis, o Bom Deus, ao qual os evangelhos se assemelham bastante. Ele misturou o judaísmo a crenças e costumes pagãos, criando uma doutrina helenizada, inspirada em Platão, e escreveu grande parte do que hoje é o livro do Apocalipse. Seus conceitos incluem a ideia de que deus e sua palavra são unos; de que a palavra de deus é seu filho primogênito, instrumento de criação do mundo e de unificação, fonte de vida eterna e imutável; de que deus é um espírito trino; de maternidade de uma virgem; de céu e inferno; e de que deus é amor.
Citou Pôncio Pilatos em sua atuação como procurador da Judéia, além de vários fatos e personagens destacados de sua época, tendo sido bastante atualizado com os acontecimentos correntes. Ainda assim não fez qualquer referência a Jesus e seus feitos miraculosos.
Justo de Tiberíades (século I EC)
Justo de Tiberíades, escritor judeu do primeiro século, também ignorou a existência de Jesus, embora vivesse na Galileia e houvesse escrito sobre a história dos judeus desde Moisés até o ano 50 EC. Seus escritos foram perdidos e o que se sabe sobre ele e sua obra advém de Flávio Josefo e de Photios. Flávio Josefo não fez qualquer indicação de que relatos sobre o Cristo houvessem sido feitos por Justos. Photios, patriarca de Constantinopla entre 878-886 EC, escreveu “Bibliotheca” – obra sobre teologia, filosofia, retórica, gramática, física e medicina – comentando nesta a obra de Justo. Photios admitiu que na obra de Justo não havia qualquer referência a Jesus:
“[...] do advento de Cristo, das coisas que lhe aconteceram ou dos milagres que ele realizou, não há absolutamente nenhuma menção.”
Flávio Josefo (37 EC – 103 EC)
Flávio Josefo foi um historiador judeu e fariseu, nascido em Jerusalém e residente em Roma. Escreveu sobre os judeus em História dos Judeus (79 EC) e Antiguidades Judaicas (93 EC). Embora muitos cristãos considerem o testemunho de Josefo em Antiguidades Judaicas uma garantia da existência de Jesus Cristo, já é aceito entre os historiadores que o trecho de sua obra que cita o Cristo é uma alteração de monges copistas. Até a Encyclopedia Britannica, que considera a questão da existência de Cristo algo já “superado” pelas supostas evidências, assume a alteração feita no texto de Josefo. Diz-se no trecho:
Naquele tempo, nasceu Jesus, homem sábio, se é que se pode chamar homem, realizando coisas admiráveis e ensinando a todos os que quisessem inspirar-se na verdade. Não foi só seguido por muitos hebreus, como por alguns gregos. Era o Cristo. Sendo acusado por nossos chefes, do nosso país ante Pilatos, este o fez sacrificar. Seus seguidores não o abandonaram nem mesmo após sua morte. Vivo e ressuscitado, reapareceu ao terceiro dia após sua morte, como o haviam predito os santos profetas, quando realiza outras mil coisas milagrosas. A sociedade cristã que ainda hoje subsiste, tomou dele o nome que usa“. (Antiguidades Judaicas, capítulo XVIII, página 63)
Obviamente, Flávio Josefo jamais afirmaria tal coisa, pois, como fariseu, ele não acreditaria que Jesus fosse o Cristo, e teria de renunciar a suas crenças para afirmá-lo. Sem falar que ele dedicava parágrafos e parágrafos, capítulos e capítulos de seus escritos a pessoas insignificantes, e pelo que se afirma de Jesus como alguém demasiado extraordinário é notável o tamanho sucinto do trecho que se lhe atribui falando em tal personagem. Além do mais, se esse trecho fosse autêntico teria sido usado pelos patriarcas da Igreja nos anos seguintes, quando estes tentaram provar a existência histórica de Jesus Cristo.
O trecho que cita Jesus e cuja autoria é atribuída a Josefo não foi aprovado pelos exames grafotécnicos, sendo considerando uma inserção fora de contexto e incoerente com o texto completo e com as ideias do autor.
Tácito (56 EC – 120 EC)
Tácito foi um famoso historiador romano. Ele redigiu uma obra chamada Anais (115 EC), onde se refere ao período compreendido entre 14-68 EC. O trecho de sua obra que os cristãos consideram uma referência direta a Jesus Cristo é o seguinte:
Nero acusa aqueles detestáveis por suas abominações que a multidão chama de cristãos. Esse nome vem de Cristo, que sob o principado de Tibério, foi mandado para o suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. Reprimida momentaneamente, essa superstição horrível rebrotou novamente, não apenas na Judéia mas agora dentro de Roma” (Anais, capítulo XV, p. 54)
Esse trecho, na verdade, não faz mais do que se referir àquilo em que acreditavam os cristãos. Além de Tácito não ter sido um historiador muito preciso, os estudiosos suspeitam de que esse trecho tenha sido incluído em sua obra por adulteração – o que explicaria o motivo de os patriarcas da Igreja nunca o terem usado, e de seu uso na comprovação da existência histórica de Jesus ter sido iniciado no século XV EC. Pôncio Pilatos nada escreveu sobre Jesus ao falar do período em que governou, no qual teriam acontecido os fatos descritos no trecho aqui citado da obra de Tácito.
Caio Suetônio (69 EC – 122 EC)
Suetônio foi um grande escritor latino dedicado ao estudo dos costumes romanos e do tempo em que viveu, tendo sido convenientemente indiscreto sobre a vida dos imperadores. Em sua obra História dos Doze Césares (120 EC) falou sobre Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Otão, Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano. Na parte referente à vida do imperador Cláudio, disse:
O Imperador expulsou de Roma os judeus que viraram causa permanente de desordem pela pregação de Crestus.” (Vida de Cláudio, cap 25, p. 4)
Esse trecho não pode ser tido como referência a Jesus Cristo por três motivos simples: (1) aqui se fala de “Crestus”, que seria não exatamente o Jesus Cristo, mas um termo genérico que designa o “ungido de deus” e que era utilizado por vários ditos messias da época; (2) ainda que tal trecho se referisse ao Jesus Cristo, seria incoerente, pois se supõe pela história evangélica que Jesus tenha pregado e morrido na época de Tibério, não de Cláudio; (3) os cristãos do Jesus Cristo não faziam manifestações e balbúrdias, pois intencionavam ser discretos para com os líderes romanos, o que indica que esse trecho se refere a outras seitas de judeus, tais como zilotas, essênios ou terapeutas.
Plínio Cecílio (61 EC – 113 EC)
Plínio, o Jovem, foi subpretor da Britínia, e escreveu o principal documento sobre a erupção do Vesúvio (79 EC). Em uma carta de sua autoria endereçada ao imperador Trajano, em 112 EC, pergunta o que fazer com os cristãos.
Os cristãos têm o hábito de se reunir em um dia fixo para rezar ao Cristo, que consideram Deus, para cantar e jurar não cometer qualquer crime, abstendo-se de roubo, assassinato, adultério e infidelidade”. (Carta a Trajano, cap. X, p. 96)
Não fica claro se a referência é aos adoradores de Crestus ou Cristo, sendo que somente os segundos seriam seguidores do Jesus Cristo. Note-se, ainda, que a simples referência à existência de cristãos não dá evidência alguma de que Jesus Cristo haja existido fisicamente.
As seitas judaicas
Foram os judeus macabeus que lideraram a revolta contra os monarcas selêucidas que garantiu a independência a Israel em 129 AEC, e fundaram a dinastia Asmoneu. Entre 103-76 AEC ocorreu uma guerra civil entre os saduceus – elite influenciada pelo helenismo e aliada aos asmoneus e aos sacerdotes do Templo de Jerusalém – e os fariseus anti-helenizantes – que defendiam uma interpretação das Escrituras que reconhecia a classe dos rabinos.
Em 63 AEC, os romanos invadiram a Palestina, na época tomada pelo sectarismo religioso, e o general Pompeu invadiu o Templo e transformou a Judéia em província romana. Em 48 AEC, Antipater foi nomeado por Roma o governador da Judéia. Em 31 AEC, após conterem uma tentativa de reposição da dinastia Asmoneu no poder, os romanos coroaram Herodes Antipas (filho de Antipater) governador.
Herodes era detestado como monarca. Matou a princesa asmonéia com que havia se casado, além da sogra, do cunhado e quatro filhos seus. Construiu templos pagãos e um hipódromo para lutas de gladiadores em Jerusalém. Em 6 AEC, sob o governo de Herodes, ocorreram 2000 crucificações na Judéia.
Os judeus estavam divididos em quatro seitas: (1) os saduceus eram a elite, influenciados pelo helenismo e dominadores do templo, através de seus sacerdotes; (2) os fariseus intencionavam estabelecer o judaísmo representado pelos rabinos populares; (3) os essênios eram religiosos austeros e abstêmios, preferindo o isolamento; (4) e os zelotes eram radicais pregadores da violência revolucionária contra Roma.
A Judéia mergulhou em uma expectativa insana e apocalíptica da vinda de um messias salvador que viria libertar os judeus da dominação romana e instituir o reino de deus. Uma manada de ditos messias e ungidos de deus mantinha uma balbúrdia intensa e promoviam certa instabilidade política, sendo crucificados aos milhares. Dentro e fora do templo as seitas judaicas estavam em constante conflito, e os zelotes sempre tramavam revoltas contra Roma, conflitavam ardentemente entre si e com as outras seitas e intencionavam promover sua revolta com a liderança de um rei messias.
A partir do ano 6 EC os romanos passaram a exercer o controle da província de maneira direta, através dos prefeitos. Em 64 EC os zelotes finalmente puseram em prática sua rebelião, posteriormente contida pelo general Vespasiano. Na ocasião da véspera do ataque a Jerusalém, Vespasiano voltou para Roma para assumir o trono, e deixou a tarefa de controlar os judeus nas mãos de Tito, seu filho. O ataque ocorreu a 28 de Agosto de 70 EC, arrasando a cidade, destruindo o Templo e escravizando os judeus.
As agitações religiosas persistiram, com muitos judeus sendo mortos ou cometendo suicídio para escapar da escravização romana. Em 132 EC houve uma nova insurreição judaica, liderada por Rabbi Akiva, que proclamou como messias o líder militar Simon Bar Kochba, auto-proclamado Filho da Estrela. No comando do general Júlio Severo os romanos arrasaram 1000 povoados e mataram centenas de milhares de judeus. Em 135 EC o imperador Adriano expulsou os judeus de Jerusalém e renomeou as regiões de Judá, Samaria e Galiléia de Síria Palestina.
O desastre dessa revolta acabou com a influência dos zelotes e consagrou a autoridade dos rabinos fariseus. Em 138 EC, sob o domínio do imperador Antônio Pio, a repressão sobre os judeus foi amenizada e o judaísmo rabínico se expandiu. Mas o Cristianismo já era mais famoso.
A construção do mito
Como dito anteriormente, a figura de Jesus Cristo como personagem de existência física é ignorada dentro da historiografia antiga. Jesus não é citado por nenhum historiador da época em que supostamente existiu, além de outros escritores famosos, tais como Sêneca, Caio Plínio Segundo, Quintiliano, Epitectus, Marcial, Juvenal, Plutarco, etc. Sua história surgiu em um tempo em que os judeus estavam mais convencidos do que nunca da ideia religiosa de que viria um messias salvador, dada a dominação repressiva de Roma sobre a Judéia.
O mito do Jesus Cristo começou com os essênios. Foram eles que idealizaram o messias chamado Crestos, que daria origem às ideias de Cristo e, consequentemente, cristão. Os essênios eram uma seita judaica originada em Alexandria que optava pelo isolamento, pela discrição e pela austeridade, e possuidora de um templo às margens do Jordão. Eles juravam não contar nada sobre a seita aos que não faziam parte dela, ao mesmo tempo em que juravam não esconder nada dos companheiros. Entre os essênios eram renegados os sacrifícios de sangue, coisa que acabou sendo copiada pelo Cristianismo.
O Cristianismo se originou, assim, em uma helenização do judaísmo, misturando-o às ideias de Platão, Cícero e Sêneca. A partir da mistura do judaísmo, o helenismo, a doutrina dos essênios e a moral dos terapeutas – que exaltavam a pobreza, o celibato e o isolacionismo – Filon de Alexandria lançou as bases do Cristianismo sem, contudo, incluir nele a crença em Jesus Cristo.
A crença em Jesus Cristo surgiu, originalmente, a partir da crença no Crestus dos essênios, seguindo a linha de vários mitos de deuses redentores e deuses solares, tais como:
  • Krishna – avatar de Vishnu e deus redentor nascido de uma virgem que foi avisada de sua futura concepção por sua mãe, anteriormente avisada pelo deus Vishnu, que determinou o nome que o avatar futuramente nascido deveria receber. O nascimento de Krishna chegou ao conhecimento de pastores, que foram prestar-lhe adoração e presenteá-lo. Kamsa ordenou que se matasse todas as crianças com menos de dois anos para evitar a vinda de Krishna, e prendeu sua mãe. Depois de nascido, Krishna foi entregue a pais adotivos, em Gokula, para escapar de Kamsa. Aos 16 anos saiu pela Índia pregando seus ensinamentos, realizando milagres, curas e ressurreições. Tinha discípulos para os quais falava por meio de parábolas. Krishna morreu no rio Ganges, afligido por uma flecha de um caçador. Os discípulos de Krishna não puderam achar seu corpo, pois ele havia ressuscitado e ascendido aos céus;
  • Buda – outro avatar de Vishnu. O nascimento de Buda foi predito a sua mãe por meio dum sonho. Era filho de um príncipe e nasceu num palácio. Seu nascimento resultou em uma benção sobre o mundo, que causou a cura de doentes, frutificação de árvores, mais colorido e fragrância às flores, e bons ventos. Buda impressionou aqueles que estavam presentes na ocasião de seu nascimento ficando de pé. Uma estrela brilhante surgiu no céu quando de seu nascimento. Um velho que foi ver o recém-nascido Buda recebeu o dom da profecia, mas não pode ver seus futuros feitos por já ser um idoso. Com poucos anos de idade começou sua pregação, e passou 49 dias sob a árvore de Bó, onde foi tentado pelo demônio. Converteu muitos com sua pregação. Era revoltado com o poder abusivo dos sacerdotes bamânicos. Foi traído por Davadatta. Após sua morte apareceu aos seus discípulos com uma auréola na cabeça;
  • Mitra – deus redentor dos persas. Era o intermediário entre o deus do bem, Aura-Mazda, e os homens. Foi chamado de Senhor e nasceu numa gruta em 25 de Dezembro. Sua mãe foi virgem antes e depois do parto e uma estrela brilhante surgiu no Oriente na ocasião de seu nascimento. Magos o presentearam com incenso, ouro e mirra, e o adoraram. Viveu como um grande mestre fazedor de milagres. Após a morte, ressuscitou;
  • Baco – deus do vinho, e também um deus salvador. Fez vários milagres, dentre eles a transformação de água em vinho e a multiplicação de peixes. Quando criança, quiseram matá-lo;
  • Hórus – deus solar e redentor dos egípcios. Nasceu da virgem Ísis em 25 de Dezembro. Morreu, desceu ao mundo dos mortos e ressuscitou.
Os deuses redentores costumavam ser também deuses-sol, tais como Átis, Balenho, Joel e Fo. Os nascimentos dos deuses solares coincidem em data como 25 de Dezembro porque é nessa data que ocorre o “renascimento do Sol”: o solstício de Inverno, no hemisfério norte. Inicialmente muito se discutia sobre a data do nascimento de Jesus, tendo sido estipuladas muitas datas entre o fim e o início do ano. Em 525 ficou estabelecida a data de 25 de Dezembo, para solapar as festividades aos deuses de outras culturas que ocorriam nessa data. A morte de Jesus foi fixada entre Março e Abril para coincidir com a Primavera, advindo da crença de que morreu após a Páscoa, época de fertilidade e germinação das folhas. A figura do Jesus Cristo acabou sofrendo uma paganização ao longo do tempo, sendo adicionados a ele e aos seus cultos muitos costumes e crenças de outras culturas, incluindo-o no grupo de deuses solares como seu último representante.
Tertuliano admitiu que o dogma da ressureição tem origem no mito do deus Mitra. São Crisóstomo descreveu Jesus como o “sol da justiça” e Sinésio como o “sol intelectual”. O número de apóstolos em 12 poderia representar, muito provavelmente, os signos zodiacais, dos quais Ísis, mãe de Hórus, era a deusa representante. Ísis pôde manter-se virgem mesmo depois do parto graças aos raios solares, e era costumeiramente representada sentada com Hórus no colo, tal como a virgem Maria dos cristãos – tida como virgem eterna pela Igreja Cristã de Roma. A lenda de Ísis e Hórus fugindo de Seth também se equivale à história de Maria e Jesus fugindo de Herodes.
A ideia de um indivíduo meio deus meio homem já era crença religiosa desgastada na época. A guerra entre um deus do bem e um do mal também já havia sido concebida há muito tempo por Zoroastro, em cuja doutrina se inclui a história do conflito entre Aura-Mazda e Arimã, sendo Mazda auxiliado por seu filho Mitra, que veio a Terra, morreu e ressuscitou. Em épocas em que o mito do Jesus Cristo já estava firmado como a verdadeira história do messias, foram feitas adições de crenças pagas, ocorrendo-lhe uma mistura com Mitra – cuja crença já havia sido transportada para a Sicília –, Osíris e Átis, estes últimos adorados em Alexandria e Roma, respectivamente.
Provavelmente em cópia do Mitraísmo, os primeiros cristãos se reuniam em catacumbas e cavernas e conceberam a ideia de que Jesus havia nascido em uma gruta. Dentre os mitráicos também havia o costume de realizar banquetes subterrâneos nos quais estavam envolvidos o pão e o vinho, como nos ritos solares em geral e no próprio judaísmo. A águia e o touro, animais que simbolizavam Mitra, foram designados a simbolizar João e Lucas. O Cristianismo copiou do Mitraísmo, ainda, o uso da pia batismal com água benta e da cruz, que passou a ser o símbolo máximo dos cristãos a partir do século IV EC.
A figura de Jesus Cristo bíblico é, conclusivamente, não mais que um mito, inicialmente nascido das seitas judaicas que esperavam messias, tendo sido posteriormente “solarizada” pela Igreja Cristã de Roma. Tem pouco de original e nenhuma comprovação histórica consistente que garanta sua suposta existência física.
Na verdade, não existiu um Jesus, mas muitos, sendo este um nome comum no primeiro século. A história judaica registra alguns Yeshuas que se diziam messias, mas nenhum que bata com a história evangélica. O Jesus Cristo que dá base ao Cristianismo não passa de um mito ao qual foram atribuídos doutrinas e ensinamentos originados dos gregos e dos essênios. É um fantasma idealizado por aqueles que quiseram dar forma humana a uma doutrina religiosa que vinha ajuntar os incautos judeus martirizados pela repressão romana.
Referências
Enciclopédia Mirador Internacional. Vol. 12, p. 6488-6496. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, 1981.
http://super.abril.com.br/religiao/procura-se-jesus-cristo-436480.shtml
http://www.mphp.org/jesus-historico/jesus-o-incomodo-silencio-da-historia.html
http://ateus.net/artigos/critica/jesus-cristo-nunca-existiu/

Pesquisas: República Ateia. 
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