Uma mulher superdotada numa época em que os homens, em nome do fanatismo religioso, estavam mais preocupados em esfaquear e apedrejar até à morte os descrentes e em sujeitar as mulheres à total submissão, é algo que tem os seus dissabores e perigos mortais.
A vida de Hypatia é digna de um filme, pelo que não foi de
admirar que em 2009 este acabasse por chegar ao grande ecrã, através da
super-produção “Ágora”. Uma excelente obra cinematográfica que, apesar de tudo,
muito deixa por contar, ou então cai no velho pecado de exagerar os feitos da
heroína. Fiquemo-nos, assim sendo, pelo que se conta nos velhos e poeirentos
livros de história.
No longínquo ano de 355 (ou talvez 370, não existem
certezas), nasceu na cidade de Alexandria a notável Hypatia. Filha de Téon,
professor e último diretor da Biblioteca de Alexandria, foi educada por este
para se tornar no protótipo da perfeição e da virtuosidade. Ou seja, aquilo que
os homens de Alexandria não eram capazes de ser.
Mas a ascensão desta mulher prodígio chocava contra os
preconceitos dos pais fundadores da filosofia racional helenística, dos quais era
intelectualmente herdeira. Enquanto Platão, na sua máscula soberba, defendia
que “a mulher, em relação à virtude, é naturalmente inferior ao homem”,
Sócrates fazia render o poder do seu falo e afirmava que “a coragem do homem
revela-se no comando, e a da mulher na obediência.”
Todavia, e fazendo gato-sapato desta verborreia machista,
Hypatia acabou por exceder tudo e todos e tornar-se, na sua época, num dos
nomes mais respeitados da matemática, astronomia e filosofia.
Entre os seus feitos incluem-se o aperfeiçoamento do astrolábio – um instrumento que mil anos depois ajudaria os portugueses a conquistar o globo pelos mares –, assim como um conjunto de textos nos quais explica, com extraordinária simplicidade, algumas das grandes (e complexas) ideias científicas e filosóficas do classicismo helénico. Para esta mulher, o conhecimento devia ser acessível a todos.
Dotada de uma oratória capaz de provocar dor de cotovelo a
Winston Churchill, tornou-se professora de muitos jovens oriundos de famílias
abastadas, e tal era o seu carisma que um dos pupilos apaixonou-se por ela,
declarando-se-lhe com pompa e circunstância. A resposta de Hypatia a este gesto de amor até faria congelar o coração a Don Juan: atirou-lhe um lenço manchado
com o sangue da sua menstruação e perguntou-lhe se era aquilo que ele queria
desposar. cética e virgem, renunciaria até ao fim da sua vida a qualquer
prazer carnal. O seu corpo deveria ser, portanto, da sua exclusiva propriedade.
Com o passar dos anos, os seus alunos tornaram-se nos homens
mais poderosos de Alexandria. Um forte testemunho da influência que ainda
detinha sobre estes era o facto de os magistrados da cidade recorrerem ao seu
aconselhamento antes de tomarem qualquer decisão importante. Em pleno século
IV, uma mulher ter tanto poder nas mãos era único.
Ignorância, fanatismo, crime e vingança
Mas os tempos eram perigosos e o ambiente social, político e
religioso era demasiado volátil. Alexandria estava a tornar-se num fervilhante
caldeirão de intolerância entre cristãos, judeus e devotos do politeísmo. Os
distúrbios e massacres por motivos religiosos eram o pão-nosso de cada dia, com
as tradições helenísticas a entrar em franca decadência. Aproveitando o caos,
uma nova força começou a ganhar cada vez mais poder: o cristianismo.
Depois de ter enfrentado o machismo legado pelos pesos
pesados da filosofia clássica, chegava a vez de Hypatia ter que lidar com a
misoginia dos santos teólogos da igreja cristã. O próprio São Paulo, numa das
suas epístolas, protestava: “não permito que a mulher ensine, nem use de
autoridade sobre os homens, mas que esteja em silêncio.” Prevendo dias
difíceis, Hypatia decide arregaçar as mangas e usar a sua influência para
combater o crescente poder dos intolerantes cristãos.
Muitas vezes violentos e invariavelmente adversos a que uma
mulher lhes dissesse as verdades sem papas na língua, os cristãos de Alexandria
eram liderados pelo patriarca Cirilo. Este tentava submeter à sua autoridade o
prefeito de Alexandria, Orestes, um antigo aluno de Hypatia que continuava a
estar sob a sua influência. Aliás, um dos mexericos correntes da época
tagarelava que os dois seriam amantes.
O fato de o chefe político da cidade não se submeter às
ordens de Deus tinha assim, para Cirilo, uma culpada: Hypatia. Ressabiado com a
audácia de uma pagã que não tinha papas na língua, o patriarca decide fomentar
os mais mesquinhos boatos para a afastar do seu caminho rumo ao poder.
Acusada em praça pública de ir contra os costumes morais
daquilo que devia ser uma boa mulher temente a Deus, a cientista e filósofa foi
igualmente acusada de ser uma bruxa, uma consequência infeliz de se ter
profundos conhecimentos de astronomia e matemática numa época em que a
ignorância grassava como se fosse a peste negra. Eis como acabou por tornar-se
num alvo a abater pela turba dos fundamentalistas.
A tragédia é inevitável. Enquanto Hypatia circulava de
carruagem pela cidade, uma milícia de fanáticos cristãos captura-a,
arrastando-a pelo chão poeirento até uma das suas igrejas. No interior do
santuário, a cientista é despida por mãos furiosas e cruelmente apedrejada até
à morte. Insatisfeitos com a barbaridade, esfolam-na com lascas de vasos de
cerâmica, arrancam-lhe os membros e lançam os seus pedaços a uma fogueira. Um
fim pouco nobre que nem o cinema ousou revelar.
Orestes, vendo-se desamparado, foge da cidade. Cirilo, por
sua vez, consegue submeter os políticos de Alexandria à sua vontade. Apesar de
sempre ter negado qualquer responsabilidade na chacina de Hypatia, a verdade é
que existe tudo para duvidar do lavar de mãos de um personagem que acabou por
ser santificado pela igreja católica.
A morte de Hypatia, em 415, acabou por marcar o fim de uma
era de racionalidade e conhecimento e a entrada na chamada “idade das trevas”.
A ciência iria emudecer até ao Renascimento e a voz emancipada das mulheres por
muito mais tempo.
Todavia, no século XVI, o pintor renascentista Rafael
decidiu vingar o seu assassínio de forma bem peculiar. Enquanto ornamentava o
tecto da sumptuosa biblioteca pessoal do Papa Júlio II, o mestre de Florença
ousa pintar um fresco no qual Hypatia surge em posição central, por baixo das
figuras de Platão e Aristóteles. Como seria de prever, o Sumo Pontífice odiou a
ideia e proibiu que a imagem aparecesse.
No entanto, Rafael desobedeceu. Sorrateiramente, introduziu
Hypatia na pintura, disfarçando-a noutra personagem. No fim, o destinou
tornou-se em ironia, pois apesar ter sido condenada à morte por um patriarca
cristão, a sua imagem observa até hoje, com um olhar directo e altivo, os
líderes da igreja católica.
HYPATIA FOI A PRIMEIRA MULHER CIENTISTA NUM MUNDO DE HOMENS
Mas a ascensão desta mulher prodígio chocava contra os preconceitos dos pais fundadores da filosofia racional helenística, dos quais era intelectualmente herdeira. Enquanto Platão, na sua máscula soberba, defendia que “a mulher, em relação à virtude, é naturalmente inferior ao homem”, Sócrates fazia render o poder do seu falo e afirmava que “a coragem do homem revela-se no comando, e a da mulher na obediência.”
Todavia, e fazendo gato-sapato desta verborreia machista, Hypatia acabou por exceder tudo e todos e tornar-se, na sua época, num dos nomes mais respeitados da matemática, astronomia e filosofia.
O bispo Cirilo de Alexandria, o grande vilão do filme, está fielmente retratado e se fôssemos retroceder no tempo cerca de cem anos antes, teríamos ali, outro bispo de Alexandria, Atanasius, que atuava na mesma linha de Cirilo – e ambos são hoje santos da Igreja Católica. Recentemente, o ultra-conservador Bento XVI, referiu-se a São Cirilo, como “guardião da verdadeira fé”.
O bispo Cirilo de Alexandria, o grande vilão do filme, está fielmente retratado e se fôssemos retroceder no tempo cerca de cem anos antes, teríamos ali, outro bispo de Alexandria, Atanasius, que atuava na mesma linha de Cirilo – e ambos são hoje santos da Igreja Católica. Recentemente, o ultra-conservador Bento XVI, referiu-se a São Cirilo, como “guardião da verdadeira fé”.
Ágora (de Alejandro Amenábar) Trailer Legendado
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Sinopse: Alexandria, 391. Hypatia ensina astronomia,
matemática e filosofia. Seu aluno Orestes está apaixonado por ela, assim como
Davus, seu escravo pessoal. À medida que o Cristianismo da cidade, chefiado por
Ammonius e Cyril, ganha poder político, as grandes instituições de aprendizagem
e administração podem não sobreviver. 20 anos depois, Orestes, o prefeito da
cidade, tem uma paz intranquila com os Cristãos, chefiados por Cyril. Os
Cristãos forçam a moralidade pública; primeiro, vêm os Judeus como seu
obstáculo, depois as mulheres. Hypatia não tem interesse na fé; está
interessada nos movimentos dos corpos celestes e na irmandade de todos. Que
lugar haverá para ela?
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Copie e cole no seu navegador para assistir o filme dublado pt em duas partes / Parte 1
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Alexandria Parte 2 (FINAL) Dublado PT
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